Submissão

São poucas coisas que me agradam hoje em dia. Nem a porra do futebol tenho visto graça. O escroto do meu chefe vem todo dia com aquelas piadinhas prontas. Torço para o relógio marcar logo cinco da tarde e eu encontrar com a Marina: inteligente, gostosa e tal… Mas fala demais, pra cacete e tenho tido o mínimo interesse em ouvi-la.

Na real, a paciência tem me faltado todo o tempo. As pessoas têm a esperança de que eu as ouça quando iniciam as lamúrias de sempre, no entanto, a relevância do dito por elas é proporcional a minha esperança na política do país. Ou seja, zero.

Carlos, seguinte, alguém tem que ficar até mais tarde hoje, o João tá com a mãe no hospital, você fica, não é?

Nem fudendo, cara! Hoje vou pegar a Marina, tá doido! Seria o melhor a ter respondido, claro! Mas lembrei que já dei o cano em uma reunião semana passada, quando acordei atrasado depois da festa de domingo à noite. Os caras beberam tanto que tinha certeza: a merda estaria feita na segunda. Fico, chefe, fechado!

Ainda bem que ela entendeu, aguentar reclamação da Marina ia ser foda! Agora é terminar esta coisa toda atrasada antes que eu esmurre a cara desse Fábio, filho de uma puta! Tinha que me pedir para ficar logo hoje!

Alguém quer algo da padaria? Vou descer para pegar um lanche.

Carlos, a Marcinha vai daqui a pouco. Deixa que ela compra para você. A estagiária gostosinha do RH, será? Esse Fábio não se toca, será que não percebe que tô querendo sair para matar um tempo? Mas até que vale aproveitar a deixa para falar com ela. Aquele dia no bar ela me deu mole, certeza! Vou aguentá-la falar dos eventos feministas do final de semana, mas vale pelo decote.

Tá de saída, Marcinha? Não acredito, foi agora que ele descobriu a doença? Mas vai dar certo, fica calma! Deixa lá quando voltar, por favor. Isso, só um sanduíche com queijo branco, tô tentando manter a linha. Cacete, com esta não contava. Papo chato e ainda tenho que dar consolo. Sei que é o pai dela, mas precisava falar tanto? Pelo menos agora tem onde chorar e de preferência no meu colo.

Carlos, ligação para você! Vou transferir.

Tudo, pai. Vou neste fim de semana, já paguei o aluguel com aquele dinheiro que você me deu. Mas eu queria conversar, quando posso ir aí? Tá, eu te ligo mais tarde, então. Não tô reclamando, é que tem dois meses que seu presente está lá em casa. Não tô fazendo cena! Falou então, tchau!

Dane-se esta história de sentimentos de merda! E-mail do Fábio, o que esse idiota quer agora?

De: fabiomatias@cpmcorporativo.com.br

Para: carlospeixoto@cpmcorporativo.com.br

Simpatia,

A Marcinha, estagiária do RH, precisa passar por todos os departamentos para aprender melhor. São orientações de cima, não podemos questionar.

Você poderia ajudá-la? Penso não ter melhor indicado para auxiliá-la no financeiro. Poupar nos fundos, então, você é o cara!

Aquele abraço,

Fábio Matias – Gerente Geral

Pô, melhor notícia não poderia ter recebido hoje: todo dia ela coladinha aqui com o pai, vai ser bonito!

Márcia, tudo bem? Carlos, do financeiro. Quando você começa aqui? Claro, pode vir agora assim te passo algumas recomendações.

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Nesta pasta você terá acesso aos relatórios deste e de anos anteriores; com isso, vai conseguir fazer as planilhas mensais de compra e de estoque. Outra coisa: não deixa de enviá-las para o Fábio. Ele reclama muito quando tem atraso.

Pode deixar! Mas posso fazer algumas sugestões, Carlos? Acredito que se esses arquivos estivessem partilhados com ele desde o início, ficaria mais facilitado e o acompanhamento seria em tempo real. Se tiver acesso todo o tempo, vão diminuir as cobranças.

Olha só, a menina querendo me ensinar. Gostosinha não é burra, não! Márcia, podemos sugerir na próxima reunião, já vou deixar anotado aqui.

Carlos, ele já sabe pois implantei no Marketing. Acho que seria ideal em todos os departamentos, daria agilidade nos processos. Oi? Quer tomar meu lugar agora ou vai fazer aos poucos? Geração de merda que pensa que vai dominar o mundo!

E seu pai, Márcia?

Está melhor! Recebeu alta no sábado e vamos seguir com os cuidados de casa.

Você precisa de alguma ajuda? Tenho alguns contatos de enfermeiras, equipamentos, quando meu pai esteve doente.

Nem sabia que seus pais eram vivos, Carlos. Você nunca fala deles.

Só meu pai, minha mãe morreu quando tinha cinco anos. Viajava muito a trabalho, fui criado pela minha vó. Bebia pra cacete e não tinha responsabilidade nenhuma e ainda dormia fora por dias, cada dia com uma mulher. Um fracassado mesmo.

Mas se precisar de algo me avisa, viu? Um telefonema e consigo para você.

Obrigada, Carlos!

Vai me dar trabalho, certeza! Toda cheia de ideias. Vou seguir no papo e quem sabe rende algo daí.

Carlos se acha o bonitão, pensa que ninguém sabe das farras que ele faz. Velho nojento! Me oferece ajuda e daqui a pouco pede algo em troca. Pai ausente, né. Todo mundo comenta que o pai ainda paga as contas dele até hoje.

De: fabiomatias@cpmcorporativo.com.br

Para: carlospeixoto@cpmcorporativo.com.br

Cc: marciasantos@cpmcorporativo.com.br

Queridões,

Para comemorar o brilhante desempenho da empresa no semestre, teremos um happy hour (o papai aqui sempre consegue grandes feitos!) promovido pela diretoria, na 6a feira, às 19h no Falatório’s Bar.

Todos estão convocados já que o objetivo é celebrar o bom relacionamento que temos na equipe.

Parceria, sempre!

Abraços,

Fábio Matias – Gerente Geral

Minha chance chegou. Viu o e-mail do chefe, Marcinha?

Lá se foi minha sexta. Ainda vou ter que rir das piadas desse babaca. Vi sim, adorei a novidade!