(Continuação de “A aparência branda do amor”)
A noiva estava nervosa como todas as noivas que esperam muito para realizar seus sonhos de véu e grinalda com um grande amor. Flor de laranjeira no cabelo bem penteado, vestido de um perolado discreto e, ao invés do buquê tradicional, segurava uma rosa branca. Borrifava o perfume com dedicação, enquanto o noivo, no quarto ao lado, era todo ansiedade. Falhara por diversas vezes em dar um nó na gravata, precisou da ajuda dos padrinhos. Terno azul escuro, sóbrio, elegante. Olhou-se no espelho e gostou do resultado, inclusive dos óculos grossos que neste momento não o incomodavam tanto, na verdade, mal se percebia que estavam ali, os olhos brilhavam mais do que as lentes.
A casa fora preparada para a cerimônia nos mínimos detalhes. Os poucos convidados comunicavam-se aos sussurros, influenciados pela melodia de Chopin ao fundo e da cerimônia que iriam presenciar. Olhavam para trás como se a vista alcançasse os noivos antes mesmo de entrarem na sala de jantar, transformada em salão de casamento. Arranjos de florzinhas brancas e folhagens decoravam as laterais do caminho que levaria os noivos ao pequeno altar. Ao fundo o quadro com a imagem de São Cristóvão com o menino Jesus no ombro e o bastão sustentando os dois, devoção da noiva e lembrança do primeiro encontro.
A sala com seus quadros e móveis antigos, sólidos, cheirava a eternidade. Os convidados, que acompanharam aquela história, confabulavam memórias. Quando a família dele se mudou para a rua dela, ainda eram crianças, houve um estranhamento inicial, depois encantamento. Ele ainda tinha o estrabismo, ela insistia naquele cabelo desajeitado. Eram tão pequenos e intuíram o que era amor.
O volume da música ambiente foi se tornando mais baixo até o silêncio prevalecer. Um sutil intervalo e ouve-se uma guitarra quebrando o ritmo raro do lugar e uma voz suave começa a cantar La Vie en Rose. Olham todos na direção da porta oposta ao altar, surge o noivo aprumado com sua gravata aparentando um nó apertado demais que o mantinha em posição de sentido. Óculos rente a curva do nariz e sorriso de orelha a orelha. Ao seu lado uma menininha de cabelos pretos e finos, usando um vestido branco com várias saias de filó e um pequeno arranjo de rosinhas miúdas na mão. Seus olhinhos estavam tão brilhantes quanto os do noivo, observando tudo com ar de bisbilhotice.
Após acomodarem-se no altar, a música muda, Moon River domina o ambiente. Todos ansiosos olham novamente para a porta e a noiva entra, a rosa branca apertada contra o peito. Cada passo um pequeno suspiro, seu coração batendo acelerado como foi um dia, antes das coisas da vida separarem as duas crianças. Cada passo uma lembrança de suas histórias avulsas. O dia da mudança dele para a nova cidade e o pacto de amor gravado na goiabeira em forma de coração e iniciais R&J. Tornarem-se jovens e viverem experiências distantes e menos poéticas. Casarem-se por gostar. Depois de três filhos, ela separada, dois netos, todos presentes na cerimônia. Ele viúvo, uma filha, uma neta, a que, naquele momento, dava a mão ao noivo no altar e a olhava com a herança dos olhos divergentes.
A noiva observou os convidados com simpatia, tantos rostos conhecidos, encontros, desencontros, vida e saudade. Seu devaneio acabou quando olhou diretamente para o rosto do senhor de quase setenta com óculos grossos e nó de gravata apertada demais. Recuperou um fio da trama quando reencontrou aquele homem e tiveram a oportunidade de se reconhecer ainda um no outro. Esse mérito morava num tempo em que ele andava de bicicleta em sua rua, sabia fazer conta de dividir como nenhum outro e afirmava que seu cabelo, mesmo que sempre sem destino, era muito bonito.
Ele, do altar também a observava. Refletia como o tempo foi tão bom com aquela menina e a conservou encantada como no dia que ele a viu no portão. Reencontrá-la na mesma casa, no mesmo portão, mais de cinquenta anos depois, foi como um milagre e pensou que enfim o mundo poderia ser um lugar bom apesar de tudo. Olhava para ela, vindo ao seu encontro, e não existia mais o hiato em suas vidas, existia apenas sua Julieta, sua Ju, companheira de aventuras de infância, primeiro beijo, mãos dadas na festa de São Cristóvão, ela com a bochecha com vestígios de simpatia para curar caxumba. E ele também contaminado de caxumba e de amor.
Julieta, sessenta e nove anos e meio, cabelos brancos começando a rebelar-se na coroa de laranjeira, abre um sorriso franco quando se aproxima de seu noivo antigo, empertigado, feliz com a possibilidade de seu coração responder bem àquelas batidas, apesar do marca-passo: Ro-meu, Ro-meu, afinal toda a vida é um encontrar-se sem fim.
Na plateia, idade avançada, vista curta e um pouco alheia, Maria ri alto. Ali no altar estavam as duas crianças que ela espiava enquanto brincavam de jogar botão com os rostos cobertos de barro de formigueiro.
Estou emocionada!!!! Que lindo!!!! 😍😍😍😍❤️❤️❤️❤️ Agora estou com gostinho de quero mais!!!!!!
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Muito bom , gostei muito, como sempre sua narrativa é espetacular me senti no ambiente . Parabéns bj
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Tá provocando lágrimas, Ariana. Quanto sentimento bom dentro de você! ❤️
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Que delicia de se ler!
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