Sem aviso

Por Cynthia Jonas, autora convidada

Fazia tempo que eu observava o movimento das pessoas. O hotel parecia um formigueiro. Gente de todo tipo dava entrada e saída na recepção. Sons se alastravam pelo imenso hall, murmúrios se confundiam numa língua incompreensível.

Entre todo aquele tumulto, sentia-me sozinho. Profundamente sozinho.

De canto de olho, notei uma senhora bastante idosa levantar-se da poltrona ao meu lado. Tomei seu lugar de imediato, acomodando meu corpo cansado. Mergulhado em pensamentos confusos, não cheguei a reparar na bela jovem caminhando em minha direção.

Boa tarde! uma voz rouca fez-se ouvir.

Ao erguer o olhar, me deparei com uma morena curvilínea. Aparentava trinta anos. Vestia uma jaqueta de couro justa sobre um vestido preto curto, com sapatos vermelhos de salto alto e uma bolsa combinando com eles.

Boa tarde. Deseja algo? indaguei ressabiado, certo de que tratava-se de algum tipo de venda. Ainda assim, fantasiei que a gostosa queria transar comigo.

Estava te esperando um sorriso malicioso surgiu entre seus lábios volumosos.

Retribuí com um meio sorriso, ajeitando o paletó amarrotado.

Me esperando? estreitei os olhos. Olha, não me leve a mal, mas deve estar enganada. Não nos conhecemos.

Com certeza me lembraria, pensei.

Nunca me engano. Espero por você há muito tempo a última frase foi quase um sussurro.

Por alguma razão desconhecida, fui tomado por um misto de curiosidade e mau pressentimento. Levantei-me em um sobressalto.

Como assim? Qual o seu nome? perguntei encarando-a.

Nome? Isso é irrelevante. Vem comigo a moça de longos cabelos negros aproximou-se, acariciando com intimidade meu rosto. Seu toque frio fez meu corpo estremecer.

O-o-nde? balbuciei.

Vamos dar um passeio e segurou meu braço.

Por que eu? nervoso, livrei o braço.

Porque chegou sua hora ela disse com desdém.

Mas agora? comecei a entender que o convite não era opcional.

Qualquer hora é hora foi a resposta.

E as minhas filhas? Minha esposa?

Não creio que sua esposa sentirá sua falta. Quanto às suas filhas, elas acabam se acostumando, c’est la vie.

Meu peito se contraiu.

De qualquer forma, gostaria de vê-las, quero me despedir.

Não será possível sua voz assumiu um tom áspero.

Sabe, estou aqui a trabalho. Ainda preciso concluir uma porção de coisas, não pode ficar tudo pela metade!

As coisas sempre ficam pela metade. No lado de lá, nada disso será necessário.

Por falar em lado de lá… engoli em seco. Como é?

Lado de cá, lado de lá, tudo é a mesma coisa. Não há diferenças. Os homens é que criam muitas fantasias.

E a passagem, dói muito? o medo começou a gotejar pelo meu corpo.

Depende. No seu caso, nem irá perceber. Relaxe soprou-me ao pé do ouvido vou cuidar de você com carinho, só não quero fazer isso num hall de hotel. Subimos para seu quarto?

No meu quarto? paralisado, perguntava-me em pensamentos se aquilo seria mesmo real. Ao mesmo tempo, meu coração batia acelerado. Quase feliz.

Qual o seu andar? ela alcançou minhas mãos e me conduziu para dentro do elevador.

É o décimo terceiro nunca acreditei em coincidências, era no mínimo irônico.

A moça foi logo entrando. Jogou a bolsa na mesa de centro, sentou-se na beirada da cama e cruzou as pernas torneadas. Em seguida, abriu o zíper da  jaqueta de couro deixando saltar os peitos fartos. Com um gesto de cabeça, indicou que me queria ao seu lado. Sentei-me titubeante. Quando pousou sua mão em minha coxa, rápidas imagens invadiram meu cérebro, como se estivesse recapitulando minha vida. Sempre ouvi falar que as pessoas passam por isso antes do fim. O que comprovava a identidade dela.

Tudo está muito bom, mas não daria para adiar um pouquinho nosso encontro? afastei sua mão. Uns dias, umas semanas, alguns meses não farão diferença alguma. Certo?

De repente, veio-me à cabeça aquela senhora idosa que tomei o lugar na poltrona. Por que não ela? Porra, só tenho cinquenta e cinco anos.

Não funciona dessa forma resmungou, decifrando meus pensamentos. Seus olhos opacos me atravessaram, seu rosto pálido colou no meu. Então, percebi sua boca procurando a minha. Por um instante, relutei.

Eu, eu… queria dizer algo, me faltavam palavras.

Chega de papo. Quero você. Agora! determinada, arrancou o vestido e jogou-se sobre mim.

A luz oscilou. Um arrepio intenso percorreu minha espinha. Senti seus lábios gélidos, por fim, encontrarem os meus.

Depois não senti mais nada.

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13 comentários sobre “Sem aviso

  1. Olá Cynthia. Prazer conhecê-la. ; )
    Concordo com seu pai, sobre: “Acreditar em nossos sonhos”.

    Sobre o texto:
    Estou pesquisando ultimamente as passagens, as situações no texto onde somos obrigados a dar “um pulo”, ou seja, deixar de narrar uma certa parte do texto, ainda que pequena. Para ficar mais claro. “As mudanças de ambiente”.
    O autor/escritor, em um texto específico, pode ter decidido que essa parte não é tão importante. Talvez pela estética, ou outro motivo particular.
    Mas ando observando isso com muita atenção, e quando isso é feito com cuidado, não falta nada, é uma viagem tranquila e suave pela história.
    Se não for feito com o devido cuidado, pelo menos para mim (como leitor), dá uma sensação de “falta chão”. Como um abismo. Um buraco.

    No seu caso, quando leva os personagens do hall, no elevador para o quarto do homem quase morto, não deixou vazio nenhum. Foi assim que me senti. Ficou redondo. Me senti bem lendo. Como disse acima: “Uma viagem tranquila pela história, sem paradas repentinas ou freadas bruscas”. Então, meus parabéns.

    Nota:
    Não sou especialista em nada. Apenas um chato comigo mesmo, um exigente. Um observador de mim, da minha vida e, da vida dos outros que também observam o que me interessa.
    Espero não estar invadindo, que não se sinta mal.
    Gostei muito do texto. Não sei ainda fazer uma análise sofisticada e, não vou mentir, admiro quem sabe. Por enquanto, digo o que sinto no meu coração, nas minhas veias, no meu sangue.
    Se tiver alguma coisa para comentar a respeito desse assunto, entre em contato.
    Falo disso apenas por sentir, não sei se tem um nome técnico específico ou algo parecido.

    Abraços.
    Amor, Paz, Luz e Namastê.

    Brito Santos.

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  2. Cynthia do céu, que fantástico! Adorei a história, ficou todo empolgado kkkk nunca duvidei da sua capacidade de encantar à todos com sua escrita e com seus pensamentos. Continue, pois tem um talento inigualável é um caminho para o sucesso, sem duvida nenhuma, além do mais, a literatura agradece. Sou seu fã de carteirinha, parabéns, estou muito orgulhoso! E agora, quero ler mais histórias! 😀

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  3. O conto envolveu-me desde o Hall do hotel fantasiei sobre a sequência, mas não consegui chegar ao seu final tão objetivo e sem aviso!
    Parabéns Cynthia!

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  4. Adorei, Cynthia! Um conto bem escrito é assim, instigante, provocante, diz muito em poucas palavras, flui com leveza ao mesmo tempo que surpreende e faz o leitor parar para refletir. Muito criativo. Para variar, me deixou com gostinho de…quero mais!!!!!

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  5. Fico muito feliz que tenham gostado, obrigada por deixarem seus comentários.. Foi bem divertido escrever esse conto.
    Beijos,
    Cynthia

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